Comentário de Evandro Affonso Ferreira

O escritor brasileiro Evandro Affonso Ferreira assina o prefácio ao O Livro das Aproximações.

“O personagem do livro de Guilhoto é a própria palavra. Sensação ad introitum: o autor vai clicando palavras para vivificar frases que fotografam o fazer-livro, o arquitetar-cidade, o elaborar-páginas, o tecer momento – a despeito de seu narrador, debater-se num oceano de dúvidas, por assim dizer, ao querer distinguir as coordenadas do tempo – as questões agostinianas.”

Para ler aqui.

Austerlitz

“Estava sempre a pensar: portanto, uma frase, uma coisa pretensamente cheia de sentido, é na verdade quando muito um expediente medíocre, uma espécie de excrescência da nossa ignorância com a qual tateamos às cegas a escuridão que nos rodeia.”

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Não se pode falar do deserto…

(fragmento)

Não se pode falar do deserto como de uma paisagem, pois ele é, apesar de sua variedade, ausência de paisagem.

Essa ausência concede a ele sua realidade.

Não se pode falar do deserto como de um lugar; pois ele é, também, um não lugar; o não-lugar de um lugar ou o lugar de um não-lugar.

Não se pode pretender que o deserto seja uma distância, porque ele é, ao mesmo tempo, real distância e não-distância absoluta por causa de sua ausência de marcas. Ele tem, como limites, os quatro horizontes, sendo o que os liga e os separa. Ele é sua própria separação onde ele se torna lugar aberto; abertura do lugar.

Não se pode pretender que o deserto seja o vazio, o nada. Não se pode, tampouco, pretender que ele seja o término, uma vez que ele é, igualmente, o começo.

Edmond Jabès (tradução de Caio Meira)

Um zero à esquerda

Diz o irmão Johann a Jakob:

«Tu és agora um zero à esquerda, querido irmão. Mas quando somos jovens devemos ser um zero à esquerda, pois não há nada de mais pernicioso do que ser importante quando ainda se é demasiado cedo. É claro: és importante para ti mesmo. Bravo. Excelente. Mas no mundo ainda não és nada, e isso é também excelente. Continuo a achar que não entendes bem o que digo, porque se realmente entendesses…» «Seria uma pessoa terrível», rematei eu. Rimos de novo.

Jakob von Gunten, Robert Walser